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sexta-feira, 19 de junho de 2009

Cacá Diegues

"Não existe nada mais parecido com o Brasil que o cinema brasileiro. O país montou uma economia de concentração de renda, e ela reagiu no cinema".
"Da classe média pra cima, ninguém quer ser brasiliero".

Essas são algumas das frases de Cacá Diegues em sua entrevista para a Playboy em julho de 1999. A entrevista tem tanta coisa, que resolvi colocá-la em separado. A revista chega a chamá-lo de mico-leão-dourado por ser um cineastra brasileiro de sucesso. A afirmação não faz mais tanto sentido hoje, temos Walter Salles, Fernando Meirelles e outros que mostram que Cacá não está mais solitário. Na época ele disse: "para fazer cinema no Brasil tem que ser um pouco megalômaníaco. É como ser astronauta no Paraguai".

Cacá mostra em seus filmes um Brasil ora rural, ora urbano, às vezes contemporâneo, outras vezes visto pelo ângulo da História, mas sempre conturbado, controvertido, miscigenado, à procura de um papel e de uma solução.

Cacá critica o preço do ingresso por excluir o público potencial do cinema brasileiro, o que não lê legenda e se identifica com o que está na tela: "porque da c lasse média para cima ninguém quer ser brasileiro".

Falando sobre a produção cinematográfica dos anos 80, Cacá acredita que essa geração ficou devendo os grandes temas. Não que eu discorde dele, mas pergunto: e hoje? Ainda é a classe média que vai ao cinema. os tais grandes temas estão ai. O que muda se os caras falam da periferia para a classe média?

Cacá também fala das novelas e cita Daniel Filho, que para ele juntou o Centro de Cultura Popular e Hollywood e transformou na dramaturgia moderna. Não à toa Dias Gomes e Janet Claer, que eram de esquerda, eram os grandes nomes. Então porque a novela vem perdendo audiência? Para ele, o motivo é "um Brasil sufocado que vem à tona, seja no Ratinho, ou em qualquer outro lugar. O cinema brasileiro deveria ser uma versão nobre disso".

Comentando a movimentação dos anos 60 Cacá critica a não existência de uma imagem brasileira: "a chanchada não a criou porque era uma paródia do cinema americano. Vem Nelson Pereira dos Santos, faz Rio 40 Graus e explode um modernismo tardio, que vai dar no cinema novo. Quando se está chegando perto de produzir uma imagem do Brasil... Pinba! O golpe proíbe isso. Aí a Tv toma conta". Problema, Glauber, Darci Ribeiro, Jango! Perdemos essa geração e não sobrou quase nada!.

Segundo a Wikipédia, onze filmes foram produzidos no Brasil em 2008. O poruqe dessa informação? Graças a esse comentário de Cacá Diegues: "no fim dos anos 70 eram 100 filmes, no início dos 90, quatro filmes por ano!".

O diretor de Xica da Silva fala sobre a crítica de cinema. Reclama não do fato de falarem mal de seus filma, mas sobre a não-reflexão sobre os filmes, reduzindo uma obra a um número de estrelas: "minha crítica negativa a crítica de cinema e que, com algumas exceções, ela é impressionante, superficial e inculta. Vive do achismo, não consegue ver no filme as relações que ele tem com a realidade".

Diegues fez parte do momento mais criativo do cinema nacional: o Cinema Novo: "O cinema novo foi o único movimento que nasceu antes dos filmes. Éramos contra um modelo hollywodiano, comercial, convencional. A gente adorava neo-realismo, o Eisenstein, Orson Welles, se identificava com a Noqvelle Vague francesa. Tinhamos uma plataforma mais modesta: só mudar a História do Brasil, do cinema e do planeta".

Está claro que o que aqueles caras queriam era mais que fazer cinema, era ser militante: "o que nos unia era uma grande vontade de falar do Brasil, é um erro ver o Cinema Novo como um fenômeno unívoco, compacto. A minha militância, por exemplo, era de cristão de esquerda. outros vinham do Partido Comunista, outros eram liberais, outros socialistas, tinah de tudo".

Mais que uma profissão, mais que fazer cinema, era militante. E militante em qual sentido? "Essa foi a extraordinária invenção do cinema novo: uma imagem do Brasil". Assim como fizeram Mário de Andrade, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Hollanda, Darcy Ribeiro e outros.

Entre os caras que construiram o cinema novo, um era o maior destaque, Glauber Rocha: "Ele era o melhor de todos nós, o melhor sofre mais. Ele vivia em função de um projeto que tinha para o Brasil e do qual não abria mão".

Não dá pra falar de cinema e não lembrar de hollywood: "uma das coisas que caracterizam o cinema americano é falar da América. E daqui a 100 anos a gente vai relacionar o século XX com hollywood assim como relaciona a antiguidade com o teatro grego".

Política e vida pessoal também são temas ricos na vida de Cacá Diegues. cacá fala de seu tempo com Nara Leão, o que pensa sobre a esquerda e os mandatos de FHC. Em tópicos:

.Sobre a esquerda: "desde o modernismo de 1922, a esquerda tem sido hegemônic na cultura brasileira mesmo nos momentos de ditadura.

. Sobre política e transformação: "as coisas não se resolvem mais na esfera do poder político. O século XIX preparou o mundo para o poder político e o século XX fragmentou esse poder pelas estruturas econômicas, sociais e culturais".
. Sobre Nara Leão: "Ela era muito original, inovadora. Acho que a cultura e a música brasileira devem mais a Nara do que tem dado a ela como homenagem e respeito.

Para terminar: " O que eu esperava do segundo mandato? Que falasse: 'conquistamos a estabilidade da moeda, agora vamos dar um passo à frente, tirar o Brasil dessa merda, dessa miséria pavorosa, recuperar o sentimento de que existe um projeto de país neste território". Tá achando que ele tá falando do Lula? Nada disso.

Um comentário:

Anderson Santos disse...

Muito boa mesmo. Tem certeza que não quer tirar cópia dessa?

Sobre a crítica de cinema, crítica de qualquer forma de arte é com,plicada. É um confronto de egos: do artista que quer que o crítico seja música ou cineasta para poder criticar X o crítico, que se acha a última "bolacha" no pacote de biscoito.

Realmente a classe média não quer ser brasileira.