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terça-feira, 30 de novembro de 2010

Sobre a ficção e a realidade (ou o Rio de Janeiro continua lindo?)

Ao som de Gilberto Gil quero confidenciar o óbvio: o aqui escrito não é, nem perto, ou longe, o melhor, ou mais embasado, ou mais qualquer coisa, 'textículos' sobre os últimos acontecimentos no Rio de Janeiro.

Também não será aqui o lugar onde o caro leitor, ou a digníssima leitora, encontrará a melhor resenha do filme Tropa de Elite 2. Não que seja lá muito complexo o tal filme, o problema é agradar a todos os fregueses...

O filme de José Padilha é incrivelmente crítico para os padrões Globo Filmes. Contra o 'sistema', tem o personagem mais limpo, o Fraga, aquele praticamente sem defeitos, baseado no deputado Marcelo Freixo do Psol, isso do Psol.

Não poupa palavras para descer o cacete nos programas policiais, conhecidos por seus rabos presos frente ao poder público e bajuladores das políticas de segurança pública de extermínio de pobres. Aqui, um breve parêntese. A Globo que se diferenciava frente aos adversários da audiência neste quesito, fez exatamente o mesmo papel na cobertura da invasão das comunidades cariocas.

Mas, afinal, do que o escrito aqui quer falar? Ora, já deve estar óbvio que o óbvio pretendo: mostrar como a realidade e a ficção são parecidas, com a diferença que na ficção os mosrtos vão tomar uam cerveja depois do trabalho, na vida real, temos mães, filhos, esposas, chorando a morte de um seu, um teu.

A cena orquestrada pela polícia carioca na semana passada lembra, não, é quase idêntica aquela do filme, aquela em que o Matias acaba morto quando descobre que a ação da polícia não tem como fim prender ou matar traficante, mas sim abrir espaço para um poder mais complexo, poder que não trabalha apenas tendo o, como diria Freixo, varejo da droga como fim, mas como umas das várias possibilidades de estorquir a comunidade.

A polícia que recebe o segundo pior salário do país, perdendo apenas para os "heróis" das minhas Alagoas, quer nos convencer que não é corrupta. É. Sendo corrupta, obviamente irá tirar proveito da nova situação, da emergência da construção da cidade olímpica, ou seja, aquela que está sendo "construída" ou "limpa" para os jogos de 2014 e 2016, retirando os traficantes das proximidades dos locais onde os jogos acontecerão. A construção de muro em favelas foi o primeiro passo, agora é a remoção de varejistas das drogas, depois serão os probres...

Voltando ao local onde nasceu e cresceu o imperador Adriano, também conhecido como Vila Cruzeiro, agora sem os traficantes, quem vai oferecer o 'gato' de água, luz, tv a cabo? Será que ninguém vai querer levar um do transporte alternativo? Será que o filme está tão longe assim da realidade?

A pergunta 'porque depois das eleições?' não passa pela sua cabeça? Terá sido ao acaso? Não somos tão idotas assim. Enquanto isso, temos casas invadidas por políciais que não pedem licença, pessoas esperando horas para voltarem a sua casa, clima de terror, crianças sem escola, mães sem água...

Capitão Nascimento, no filme, alcança a lógica do sistema. Percebe que não adianta matar um, dois ou trinte e poucos traficantes, na verdade, isso pode ser pior, aquilo que virá depois poe ser maior, mais forte. O negócio é destruir o sistema.

Aquele que olha a obra de Padilha tendo apenas os dois Tropas como objeto, talvez não compreendam o amadurecimento do tema segurança públlica em sua filmografia, talvez achem muito acelerada a mudança de ponto de vista de um filma para outro, alguns até acham que tudo não passou de um pedido de desculpas a esquerda, depois de sido chamado por esta de fascista, em uma infantil confusão obra-autor.

Provavelmente a melhor maneira de entender a obra de Padilha seja incluindo o filme Onibus 174 aos Tropas de Elite. O filme em questão é um documentário que narra a trajetória de um jovem que sequestrou um ônibus. O documentário tenta mostrar a situação partindo do ponto de vista do sequestrador, tentando entendê-lo. Ali também estão presentes todos os personagens dos outros filmes: polícia, espetacularição da mídia e vários outros ingredientes e um fim trágico.


Talvez assim possamos entender o caminhio feito por Padilha. Começando com o assaltante, jovem infrator, vítima de todas as mazelas que as populações pobres sofrem, depois, o policial treinado a exaustão, frio, preparado para matar, com um código de ética baseado na morte de traficantes. Por último, a visão completa, o olhar do todo, a visão de que o problema não está de um lado ou de outro, mas sim no sistema.


Para terminar, acho engraçado ouvir repórter dizer que tudo voltou ao normal nos locais onde a polícia invadiu e matou usando colete a prova de balas. Sinceramente, não consigo parar de pensar nas palavras de um homem que me ligou no trabalho querendo estabelecer justiça para um amigo preso, segundo ele, injustamente. As palavras "quando a polícia chega aqui não quer saber de nada, se é ou não trabalhador, só quer saber de bater, prender o primeiro que encontrar na rua". Quem veio da periferia sabe porque "gambé" não é bem vindo na perifa. Não venham me dizer que a população das comunidades está feliz com a presença daqueles que os humilham diaramente, ou não sou otário.

2 comentários:

Anderson Santos disse...

Excelente análise. É "engraçado" ouvir comentarista de segurança(?) dizer que não há perigo traficante ir para morro Y pq lá o problema é a milícia.

Sobre os "gambés", trabalho com alguém que mora no Bebedouro, perto das grotas onde a polícia não entra, e ela já me contou vários casos sobre a atitude deles. Polícia para pobre sempre causa medo; traficante serve até como certa garantia.

Débora Accioly disse...

É nojento o papel de todo mundo nessa porra de história louca, meu. Mas pra mim, a que da mais vontade de vomitar, sem dúvidas é a da mídia (obviamente que após ter visto o filme, ter lido criticamente a sua análise e entendendo um pouco do sistema, sei que ela não atua separadamente ou que tenha um fim em si mesma), mas é fora de série.

Conseguir "catar" uma parcela da população que foi rechaçada pela polícia e mesmo assim consegue ver "que agora teremos paz", mostrar isso como trunfo seguido de bilhetinhos de crianças chorando agradecidas deveria ser proibida pela lei da imprensa. Puta que pariu.

Gostei de ver a record, que mesmo com o colete a prova de bala, mostrou num armazem um bilhete colado por um trabalhador: Senhores policiais, por favor não quebrem tudo como da ultima vez. E quando foi procurado, o senhor, escondido às margens dos efeitos da tv, dizia: "Tudo que eu comprei com anos do meu suor, voou em minutos!".

É, enquanto "a gente" (leia-se: a gente povo alienado) paga pau pra instrumentinho do Estado, uma onda reacionária tá só começando.

Batam palmas! A copa de 2014 já começou.

Te amo.