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quarta-feira, 3 de novembro de 2010

As eleições paraibanas

Pela primeira vez fiz uma cobertura jornalística das eleições. Estou trabalhando em uma TV paraibana que faz parte do maior conglomerado de mídia do Estado, o sistema Correio, dono de jornal impresso, portal na web, rádios am e fm espalhadas por toda a Paraíba, além, lógico, da já citada TV.

No primeiro turno a redação estava cheia quando cheguei, por volta das 6 da noite. Alguns editores, produtores e repórteres se espremiam para ouvir cada passo da apuração que, segundo as pesquisas de opinião, inclusive a boca de urna do IBOPE da Globo colocava o candidato da TV como vencedor já no primeiro turno.

Quando os resultados foram saindo e as pesquisas foram sendo rasgadas, o clima na sala mudou. O editor chefe batia na mesa e o telefone não para de tocar. Todas as vezes eram pessoas com aquele tom de voz superior perguntando por ele, o editor chefe. Todas as vezes ele atendia, fala baixinho, e um tom de preocupação tomava sua face.

A mesma aparência era percebida no rosto do apresentador do programa político da emissora. Sim, a emissora tem um programa político diário de 30 minutos cujo objetivo é denunciar a prefeitura e falar bem do Governo do Estado. Nada mais justo, já que a secretária de Estado da Comunicação é nada mais, nada menos que a editora chefe do jornal impresso do sistema.

Os votos seguiam sendo apurados e o candidato opositor virava o jogo e colocava clara possibilidade de eleição já no primeiro turno. Os ânimos se exaltaram. O tal chefe de reportagem não aguentou e desceu para fumar um cigarro. O apresentaddor suava e só repetia "ele vai ganhar, ele vai ganhar".

O chefe voltou, pediu cachorro-quente para todos com Coca-cola e Guarana Antártica, a apuração também acabou e as eleições seriam definidas em segundo turno.

Aqui, um vídeo sobre o primeiro turno na Paraíba
(http://www.youtube.com/watch?v=chjDj_Lt4hs)


Cassio Cunha Lima


Provavelmente a grande polêmica das eleições paraibanas seja a união feita entre Ricardo Coutinho e Cassio Cunha Lima. Expliquemos: Ricardo Coutinho, ou o mago como é conhecido, construiu sua biografia no campo das lutas sociais. Foi sindicalista e militante do PT por muitos anos, foi eleito vereador e deputado, na ocasião o mais votado da história, pelo partido de Lula. Depois, graças a divergências internas, saiu do PT e filiou-se ao PSB.

O ex-governador Cassio Cunha Lima é mais um daqueles descendentes da velha política que se estabeleceu especialmente na região nordeste. Filhos de políticos da região de Campina Grande, começou por aquelas bandas suas investidas até se tornar o político mais influente da Paraíba de nossos dias. Filiado ao PSDB, era atacado pelos aliados de José Maranhão, principal representante do outro lado da oligarquia, pelos congressitas mais progressitas, tais como o deputado reeleito Luiz Couto, e, até então, Ricardo Coutinho. Os mais de 1 milhão de votos para senador e vitória de Ricardo Coutinho para o governo no segundo turno mostram que aqueles que acharam acertado, do ponto de vista eleitoral e não do ponto de vista idelógico, a tal união ganharam a aposta.

Mas, a história de Cassio nessas eleições não param ai. Ele ainda espera seu recurso no STF ser julgado para saber se pode ou não tomar posse como Senador. A saber, Cassio foi enquadrado na lei Ficha Limpa por questões de abuso do poder econômico enquanto era governador.

O que sequestiona nos bastidores é: até quando durará essa amizade? Muitos acreditam que o Mago deve botar Cassio para correr assim que tiver uma oportunidade. Outros acham mais provável que Ricardo aproveite o máximo essa relação para trazer deputados que hoje estariam na oposição para o seu lado. Tem ainda aqueles que acreditam em amizade sincera e parceria duradoura. Veremos.


O nosso tiririca?

Qualquer um que viesse a João Pessoa antes do íncicio da campanha eleitoral, provavelmente passaria por um dos cartões postais da cidade e nem notaria naquele homem distribuindo sopa. Pois é. Até junho desse ano, Toinho do sopão, antes conhecido como Toinho do bolo, ficava durante as tardes nas proximidades do Parque Solon de Lucena, a lagoa, distribuindo sopa, antes bolo, e pedindo uma contribuição, de qualquer quantia, para manter, digamos, aquela ação social.

Era um trabalho bonito e gostoso. Bonito porque alimentava a, talvez, única vez no dia alguns dos moradores de rua da região do centro da cidade. Gostoso porque quem tomou da sopa diz que é muito boa, obrigado. Ali estava Toinho, todas as tardes com seu megafone pedindo uma contribuição para manter aquele trabalho voluntário, um gesto bontio, mas despercebido de todos. Será? O dia 3 de outubro mudará para sempre a vida daquele homem. Ele deixou de ser o 'o homem da sopa' para tornar-se o deputado estadual mais votado da história da Paraíba, superando a marca que era de Ricardo Coutinho.

Como explicar que um homem simples, sem muitas afinidades comos grupos do poder, que gastou, segundo ele, 5 mil reais na campanha e que a fez apenas na capital, possa ter sido tão bem votado? Sem qualquer rigor científico, colocarei minha avaliação.

Claramente, esse não é um voto ideologizado ou programático. Toinho do Sopão não representa um projeto político, uma concepção de Estado e de seu papel, não. Ele é um homem que distribui sopa e que, igenuamente falando, pretende ampliar a distribuição de sopa para toda a Paraíba. Isso não é um projeto, é, vá lá, uma causa nobre. Propor alimentar toda a população quando a miséria ainda é recorrente, mas veja, ela não fala em nome de qualquer entidade de classe organizada, fala em nome dele, de sua experiência e de seu trabalho.

Também tenho problemas com a avaliação superficial do tal 'voto de protesto'. Pelo que entendi, o tal voto de protesto coloca o eleitor como um questionador do processo eleitoral e, de certa maneira, ao discordar de tudo o que vê, vota no bizarro, no esdrúxulo. Primeiro, acho que não podemos homogeneizar uma votação tão expressiva, foram quase 60 mil votos.

A grosso modo, acredito que o processo eleitoral e a escolha de Toinho do Sopão se deu muito mais no vácuo na despolitização do processo eleitoral. A cada que passa, as eleições brasileiras ganham mais e mais uma cara personalista e não programática. São pessoas que vão e podem fazer e não um complexo processo de negociação e articulação que leva a vitória, ou, simploriamente, a disputa de programas. No caso do legislativo isso é ainda mais grave. O eleitor, na onda do personalismo, vota no candidato mais confiável, ou mais próximo do seu dia a dia, ou que oferece a melhor barganha (um emprego, dinheiro, alimento, etc).

Por isso, não concordo com o tal protesto, nem com a plena consciência do voto 'no homem que vende sopa na lagoa'. O protesto deveria vir acompanhado de uma resposta ao processo eleitoral e ao sistema, algo que não percebo nas ruas. O voto 'consciente' também carece de reflexo no real. O próprio Toinho do Sopão resolveu apoiar um determinado candidato no segundo turno em troca de barganhas, dois dias antes tinha dito que apoiava o outro candidato. Resultado, recebeu a ordem de seu partido para fechar o bico.


E a esquerda?

A Paraíba entrou nas eleições com quatro candidatos de partidos de esquerda. O professor Nelson Júnior pelo Psol, Chico Oliveira no PCB, Lourdes Sarmento, candidata folclórica do PCO e Marcelino pelo PSTU.

Foram dois debates em TV aberta para todo o Estado onde os quatro tiveram a oportunidade de discutir o programa socialista e suas bandeiras. Um espaço único para colocar na ordem do dia as questões normalmente esquecidas pela grande mídia. Infelizmente, praticamente todo o tempo desses debates foi usado para atacar os candidatos do poder, a saber, José Maranhão e Ricardo Coutinho.

Não que o ataque as alianças escusas e as políticas conservadoras devam ser deixadas de lado. Não que os maus tratos do funcionalismo e o extermínio nas periferias devam ficar em silêncio, nada disso. Mas não adianta voar nas nuvens e esquecer que a conversa é com uma parcela da população.

Os candidatos eram ruins de vídeo e não conseguiam trazer o ideal de socialismo para o real. O Ressalvas feitas a Nelson Junior que mesmo com a apresentação de um programa mais rebaixado, conseguiu dialogar com alguns setores, mesmo sem o seu partido ter lá muita influência no movimento estudantil e ele ser uma figura pública nova.

Outro ponto para a esquerda foi o guia do PSTU. Sem muito recurso, com off e textos feitos pelos próprios militantes, o programa ficou redondo, no ponto, falando de grandes temas como racismo, educação, violência contra as mulheres, sempre trazendo números locais, aproximando o público das idéias. Além disso, o PSTU nacional já deve estar de olho em Carlisson, candidato a deputado que recebeu quase 2 mil votos, sendo mais votado que o candidato de seu partido ao governo. O garoto, membro da atual gestão do DCE e do CA de letras da UFPB, fez da universidade seu reduto eleitoral e se saiu bem. Talvez devesse servir de exemplo para os operários do partido que não conseguem receber o voto de confiança nem de seus companheiros de chão de fábrica.

Ainda sobre a esquerda, precisamos ver como os movimentos organizados reagirão após a eleição de Ricardo Coutinho. Quando ainda era prefeito, o mago construiu shopping popular e mandou tirar os camelôs das ruas. Com a insistências dos trabalhadores, na manutenção do local de trabalho, Ricardo não titubeou em mandar a polícia fazer o serviço. Mesmo assim, a maioria dos movimentos sociais tem uma relação de proximidade com Ricardo. Um exemplo está na Associação de rádios comunitárias da Paraíba (ABRAÇO-PB). Em uma conversa com um dos dirigentes da entidade, descobri que muitos membros da mesma fazem parte da militância do PSB e, lógico, ainda confiam em Ricardo. O mesmo acontece com a CPT, onde a maioria dos dirigentes está próxima a Luiz Couto, deputado eleito pelo PT e muito próximo a Ricardo Coutinho, mesmo nessas eleições, quando o vice de José Maranhão era do PT, Couto, ao final do resultado do primeiro turno, foi até o comitê do mago lhe dar os parabéns.

Esses são os questionamentos que devemos responder no próximo período: como colocar esses e muitos outros movimentos no campo da oposição ao futuro governo? Como construir uma unidade dos campos que constroem a esquerda paraibana em torno de um programa que se proponha a forçar os limites impostas pela conjuntura atual?

2 comentários:

Débora Accioly disse...

Análise digna de um filho da Paraíba. hehehehe =}

Bom, concordamos em quase toda a sua análise. Só continuo querendo discordar do toinho do sopão, acreditando que mesmo que não tenha sido de todo racional, existiu algo de protestante * hehehe no voto do cara. Claro que ele cagou no pau depois, mas...

Quanto a Ricardo... também temo agora que o poder vai ser maior, vindo maior repressão. Ele é uma baita de uma decepção para os esquerdas/pseudo-esquerdas/progressistas. O cara atuou desde o movimento estudantil, fez campanha pro passe livre...
Saiu do PT exclusivamente pra se eleger e tal... no fim, acredita que é pelo meio da instituição que da pra fazer alguma coisa? Não sei.

Quanto ao outro candidato, ja era de se esperar. O ar de superioridade do primeiro turno fez o cara perder! Não participou dos debates, não fez campanha... depois pintou o desespero.

Senti falta da conotação religiosa da campanha presidencial que influenciou aqui com as histórias de demonio, satanista, etc.

Acho até que a esquerda foi bem representada nesse processo, né? O PSOL bombou. Não chegou na Paraíba ha muito tempo e arrancou mais votos que os candidatos de sempre daqui. =)

Tá muito bem escrito o texto, muito claro... gostei MUITO. Ansiosa pelo próximo.

Te amo, Baco.

Anderson Santos disse...

Excelente análise. Sempre acho estranho quando os candidatos à reeleição perdem, como aconteceu aí e no Pará. Sua explicação resolve o problema.

Se você não trabalhasse nessa empresa - ou se sair dela - sugeriria para escrever algo sobre a mídia na PB, como fizemos aqui com a Gazeta de Alagoas. O Intercom NE deve ser aqui em Maceió ano que vem, se precisar de qualquer ajuda sobre isso nós articulamos cá com o grupo.

Uma dúvida, o "Toinho do Sopão" é de qual partido?