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sábado, 6 de novembro de 2010

Ainda as eleições

O Brasil, ou os brasileiros, ou uma parcela significativa destes, fez história no último 31 de outubro. Não tenho certeza se fez realmente história, com h. Ou se fez estória, com e. Ou se caiu no conto do vigário.

Digo isto porque acredito que a primeira reflexão a ser tirada da eleição de Dilma Rousseif para presidente, é a construção midiática do ineditismo. Desde que recomeçamos, ou não, a escolher nossos representantes pelo voto direto, todos os membros do poder maior foram retratados pela grande mídia como o novo, o único, o primeiro, ou seja, o inédito.

O 'alago-carioca' Fernando Collor de Mello foi o primeiro por ser o primeiro. Eleito prometendo derrubar marajás, caiu após escândalos sucessivos. Assumiu o vice, Itamar Franco, que não entra na conta por não ter sido votado. Então veio Fernando Henrique Cardoso, FHC para os íntimos, o primeiro vindo das fileiras da academia, um intelectual para dirigir o Brasil, o sinônimo do voto consciente, era o primeiro por ser o maior, o mais qualificado, o mais alto, o mais merecedor. Quanto engano.

Por último veio Luis Inácio Lula da Silva, o primeiro por ser filho dos últimos, o ditado cristão feito verdade, sendo primeiro, do povo, operário, forjado nas melhores lutas que não vimos, de dedo perdido no trabalho metódico, um ‘primeiro-igual’. Será? Seria? Sei não.

Não foi muito diferente agora. Imagine como seriam as manchetes caso José Serra tivesse levado o pleito. Talvez o apelo seria para, sei lá, ‘o primeiro careca’, não sei. Para ‘a escolhida do Lula’, a manchete era datada, óbvio, bastaria mudar o artigo. Agora, não seriam mais 'os' primeiros, mas sim 'a' primeira.

O interessante é que embarcamos nisso. Ou nessa. O slogan de 'first woman' prevaleceu.

No fim, compramos a idéia, a mercadoria foi aceita e muita gente instruída votou na mulher por ela ser mulher, usando um critério desprovido de razão política, propositivamente falando.

Não que ser mulher seja um problema, mas o adjetivo precisa, no mínimo, ser complementado: 'ela é mulher e ...' O discurso foi tão forte que a candidata Marina Silva,que terminou o pleito em terceiro lugar, ocupou seu horário na TV nos últimos dias da campanha revezando entre aparições de artistas e pedidos do tipo: "vamos colocar duas mulheres no segundo turno".

Mas duas mulheres em nome de que e de quem? Delas? Quais os interesses? E não me venham dizer que o machista é este que vos escreve. São elas que colocam uma certa ‘sensibilidade feminina’ instinto-natural de todas as mulheres na roda. Não apareceu em nenhum dos programas das candidatas o fato de mulheres receberem menos que homens fazendo o mesmo serviço, por exemplo.

Na verdade, a propaganda vencedora chegou a mostrar mulheres em serviços antes ocupados apenas por homens, mas o material mais parecia uma matéria do Jornal Nacional. Não falava do preconceito sofrido ou da dupla jornada: trabalha durante o dia, cuida da casa durante a noite. Nada disso.

A primeira mulher mudou apenas o artigo. Uma pena.


A igreja e o aborto

Quando o primeiro turno estava perto do fim e as eleições presidenciais pareciam decididas, eis que um tema toma conta da campanha e dos noticiários: o aborto.
A tese central afirmava que Marina Silva e sua aproximação aos envagélicos levaram a decisão para o segundo turno. Não sei bem quem comprou a história, quem foi o ovo ou a galinha, mas sabemos que um arsenal de conteúdo ia ao ar todos os dias com Dilma lembrando que não era favorável ao aborto, visitas da futura presidente a Igrejas, templos e afins....

A religião também era o foco das perguntas feitas a ‘mineira-gaúcha’. O Jornal Nacional praticamente girava seu conteúdo político em torno de dois enfoques: Serra aparecia propondo, Dilma se defendendo. Uma nojeira.

E não parou ai. A Paraíba virou manchete nacional quando o Arcebispo da Arquidiocese do Estado, Aldo Pagotto, apareceu em um vídeo pedindo para os fiéis não votarem em Dilma. Outro parêntese religioso das eleições paraibanas foram os panfletos apócrifos. Neles, o Governador eleito Ricardo Coutinho era chamado de satanista e algumas das estátuas localizadas em praças seriam homenagens ao ‘demo’.

É no mínimo triste. Um belo punhado de problemas na ordem do dia necessitando de atenção e debate e foi a questão religiosa, a defesa da família e da vida, seja lá o que queriam dizer com isso, que deram o tom do debate.

Pastores aparecendo no guia, emails, e tele-mensagens contra, e a candidata do presidente não colocou os pingos nos is, não segurou as bandeiras históricas das mulheres e do maior partido de massas da América Latina recente. Ela e o PT jogaram no lixo anos de debates e de proposições sobre o tema, jogaram no lixo as milhares de militantes que defendem até hoje sua candidatura e mandato.

O PT venceu as eleições. Em troca jogou mais uma pá de merda na sua bandeira, na sua história.


Os debates

Dos debates do primeiro turno, salvou-se o primeiro, na Band, graças a Plínio de Arruda Sampaio. O bom velhinho apareceu tanto que virou rit no twitter, ocupou espaço no JN, virou tema de textos em blogs direitosos, vide Reinaldo Azevedo. Deve ter pertubado um bocado. Foi o destoante.

Depois, nada muito atrativo. Plínio perdeu a mão nos outros debates, o discurso já não era novidade, foi engolido pela caricatura de bizarro que fizeram, o discurso coerente e de denúncia não se transformou em votos, nem os demais debates conseguiram a repercussão do primeiro.

Os outros candidatos pareciam compadres. No ‘olhômetro’ e no ‘conversômetro’, parece que Marina foi pegando o jeito com o passar dos debates. Deixou de ser a tia boazinha para se tornar a alternativa dos que queriam sair do plebiscito. Neste sentido, se saiu melhor que Heloísa Helena em 2006, talvez por ter um discurso mais dentro da ordem.

No segundo turno os debates foram tiroteios. No primeiro, mais uma vez na emissora dos turcos, Dilma era firme, falava forte, e trouxe Paulo Preto. Entendeu que quem estava vendo o debate eram aqueles que liam jornais e acompanhavam blogs políticos, ou seja, falou para eles. Foi bem.

José Serra era melhor. Foi assim em todos os outros embates. Mas não o suficiente para alargar a diferença para a petista, nem tão melhor a ponto de humilhá-la. Foi impressionante como em tão pouco tempo Dilma ganhou o tato com as câmeras, exceto no último debate, na Globo, quando teve que lhe dar com o público, num debate mais, digamos, leve.

Um comentário:

Débora disse...

Achei o texto poético, sentido. Como se você conseguisse por em palavras o que nós, ditos militantes de esquerda, queriamos desengasgar.

jogou não so uma pá de merda nas bandeiras, joggou não só as militantes na lixeira... mas isso traduziu perfeitamente o sentimento.